Logo se vê que o Tribunal do Júri é o que há de mais democrático no âmbito do Judiciário
É exatamente isso que se nota ao analisar o que fazem a doutrina e a
jurisprudência pátria com o princípio da soberania dos veredictos (art.
5º, XXXVIII, c, da CF). Cegos que, vendo, não veem. Ao que tudo indica,
por cegueira deliberada ante a clareza do texto constitucional.
Ninguém nega que o princípio da soberania popular é o pilar do regime
democrático adotado pela República brasileira e que, por isso, o povo é
a fonte primária do poder.
Os jurados podem errar, já que soberania não é sinônimo de infalibilidade
Por ser soberano, o povo é quem dita a distribuição do poder na
estrutura do Estado. E esse poder é exercido direta ou indiretamente.
É verdade que grande parte do poder incide por meio da democracia
representativa e pequena parte ocorre pela via da democracia
participativa.
Das três funções exercidas pelo poder, a Executiva, a Legislativa e a
Judiciária, apenas esta última não conta com a participação do povo na
composição de seus agentes.
Logo se vê que o Tribunal do Júri é o que há de mais democrático no
âmbito do Judiciário. Ao prever o julgamento popular dos crimes dolosos
contra a vida, o legislador constituinte lançou uma lufada de democracia
nos fóruns de todo o país.
E o povo, representado por sete cidadãos idôneos, é o responsável por
declarar os veredictos no âmbito do Tribunal do Júri. E o faz com
soberania, que nada mais é do que o poder supremo frente aos demais
órgãos do Judiciário2.
A soberania dos veredictos é filha da soberania popular. Numa frase:
segundo a Constituição, é o povo quem dá a última e definitiva palavra
nos crimes dolosos contra a vida.
Nenhum juiz, desembargador ou ministro têm ascendência sobre os
jurados. Isso significa dizer que somente o Tribunal do Júri pode rever
seus veredictos.
A partir dessa perspectiva é possível afirmar, com segurança, que as
condenações emanadas do Tribunal do Júri devem ser imediatamente
executadas. Afinal, os veredictos não podem ser substituídos por
decisões, sentenças ou acórdãos. Não importa a instância.
Cumpre registrar, nessa toada, que o Júri é um Tribunal e não um
simples órgão de primeiro grau sujeito às reformas recursais por parte
dos tribunais. Por óbvio, se houver sujeição a poder superior não haverá
soberania.
Noutras palavras, é inadmissível que a soberba da toga substitua a
soberania do povo. Basta um mínimo de honestidade intelectual para não
negar que a soberania dos veredictos é impassível de relativização, como
quer parte da doutrina e da jurisprudência.
Ora, é regra elementar de hermenêutica que texto fora do contexto é
mero pretexto para que o intérprete imponha sua vontade, inclusive para
afirmar que o redondo é quadrado. E isso é inadmissível, ainda mais no
que se refere ao texto constitucional, cujo princípio da soberania dos
veredictos cobra sua máxima efetividade.
Fica evidente, assim, que as condenações emanadas do Tribunal do Júri
reclamam o cumprimento imediato da pena imposta. Por consequência,
ainda que o acusado esteja respondendo à ação penal solto, se condenado à
pena privativa de liberdade em regime incompatível com o direito de ir e
vir, deve ser ele imediatamente recolhido ao cárcere.
Outro não é o entendimento do Ministro Luís Roberto Barroso
registrado nos julgamentos das Ações Diretas de Constitucionalidade 43 e
44 (05/10/2016) e no Habeas Corpus 118.770/SP (07/03/2017): “A
condenação pelo Tribunal do Júri em razão de crime doloso contra a vida
deve ser executada imediatamente, como decorrência natural da
competência soberana do júri conferida pelo art. 5º, XXXVIII, d, da CF”.
Cumpre realçar, com tintas fortes, que não há qualquer violação ao
princípio da presunção de inocência, já que essa interpretação resguarda
a proteção eficiente da vida, da democracia e da segurança de todos3.
Os jurados podem errar, já que soberania não é sinônimo de infalibilidade. Mas, como adverte Antonio Miguel Feu Rosa4,
“em caso de erro, o povo, como os indivíduos, suporta muito melhor o
que vem daqueles que estão investidos em seu nome, de seus interesses,
do que daqueles que lhe são estranhos”. E qualquer erro poderá ser
sanado pelo próprio Tribunal do Júri em novo julgamento.
A justiça é direito da sociedade. Mais ainda nos crimes de sangue. E,
no Tribunal do Júri, é exatamente o dono do poder, no exercício
ostensivo da democracia e de forma soberana, quem a produz, o que torna
absurdo o absolvido ficar preso ou o condenado sair livre e solto.
Por tudo isso, admira mesmo que esta verdade ainda hoje precise, a
golpes de martelo, abrir caminho tanto na doutrina como na
jurisprudência para que possam ver e enxergar o óbvio. Uma pena!
César Danilo Ribeiro de Novais é promotor de Justiça do Tribunal do Júri em Rondonópolis/MT.
terça-feira, 14 de março de 2017
Soberania do Júri e Prisão
17:15:00
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O Ensaio sobre a cegueira, romance de José Saramago, em
sua última página, com aquela estranha pontuação, indaga e constata: “-
Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a
razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso
que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem”1.
2?
Ensina o dicionário: “Soberano: que, ou aquele que detém poder ou
autoridade suprema”. (CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico
da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010, 601).
3?
"Como já assentei, a presunção de inocência é princípio (e não regra)
e, como tal, pode ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando
ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais
colidentes. No caso específico da condenação pelo Tribunal do Júri, na
medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada
soberanamente pelo Júri, e o Tribunal não pode substituir-se aos jurados
na apreciação de fatos e provas (CF/1988, art. 5º, XXXVIII, c), o
princípio da presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado
com o interesse constitucional na efetividade da lei penal, em prol dos
bens jurídicos que ela visa resguardar (CF/1988, arts. 5º, caput e
LXXVIII e 144). Assim, interpretação que interdite a prisão como
consequência da condenação pelo Tribunal do Júri representa proteção
insatisfatória de direitos fundamentais, como a vida, a dignidade humana
e a integridade física e moral das pessoas". (STF - 1a Turma - HC
118.770/SP - Min. Luis Roberto Barroso, j. 07/03/2017)
4? ROSA, Antonio José Miguel Feu. Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 431.
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