terça-feira, 19 de junho de 2012

NICO PARA SEMPRE!


A história que conheço do Nico é a

de um homem simples e encantador

Em quase 20 anos de atuação profissional na
imprensa de Mato Grosso, fiz poucos amigos
na política, fruto da relação entre jornalista e fonte.
Cinco, ao todo - o que se conta nos dedos de
uma só das mãos. Nico Baracat era um deles.
Sua partida mutila parte de mim, faz sangrar meu coração.
Nico era deputado estadual de primeiro
 mandato pelo PMDB quando nos conhecemos.
Eu iniciava minha carreira de repórter de política.
 A rigor, ele não era uma boa fonte no início.
Aparentava estar ali no meio dos demais
deputados de forma inadvertida.
 A mim me parecia que havia algo
de simplório e ingênuo na sua atuação.
Aos poucos, contudo, percebi que a
ingenuidade era minha. Não demoro
para eu descobrir que Nico era um genuíno
espécime da política de Várzea Grande 
onde se aprende de berço a ler gestos e 
comportamentos, como num bom jogo de 
truco espanhol, antes das palavras. 
Que nem tudo que se diz, em política, 
é o que se faz. Que se precisa ter capacidade 
de ler o não dito, as entrelinhas, mais que o anunciado.
Herdeiro da notável Sarita Baracat e do Seo Caboclo,
 Nico tinha berço na política do contato direto,
do pé de ouvido, e sabia como ninguém perceber
e compreender o movimento da rua, dos campos
de peladeiros, dos botequins onde os agentes
 políticos entronizavam suas estratégias,
 fazendo brotar do nada as notícias que só
sairiam nos jornais um tempo depois. Quando saiam.
Para os que, acaso estejam me lendo nesse momento
e possam me questionar por que, então, ele não era
um político bem-sucedido, respondo:
reavalie seu conceito de sucesso!
Para mim, e para o Nico, sucesso em política
é defender o que se acredita com entusiasmo
e devoção, com firmeza e coerência.
Vencer uma eleição ou ocupar um cargo
público não são, definitivamente, os principais
fatores que se deve levar em conta para avaliar
as virtudes de um homem público.
Mas sim os métodos que ele utiliza e os princípios
que o move.
Não sei dizer quando Nico deixou de ser fonte e virou amigo.
Nunca tinha pensado nisso. A mim basta saber que
de um dado momento em diante, falar com ele,
ouvir sua opinião sobre política ou futebol,
fazer uma troça com algum amigo em comum,
marcar um chopp, pedir-lhe ou dar-lhe um conselho
essas coisas que habitam a relação entre amigos
já compunham a nossa rotina.
Nico foi um dos primeiros a ir nos visitar
quando nasceu nosso primeiro filho.
Por motivos mais culturais que religiosos,
eu e minha mulher o escolhemos para
padrinho do nosso filho caçula - e tivemos a alegria
e a honra de ele ter aceitado.
Na formação cultural que recebi, o padrinho
 é o segundo pai do afilhado, e assumirá as
responsabilidades do pai na sua falta.
Esse tipo de responsabilidade a gente
só delega àqueles em quem confiamos
 plenamente e com quem temos laços
de sangue ou outros ainda mais sólidos.
Nico era, portanto, um irmão mais velho,
às vezes mais novo, a quem eu confiaria
a guarda do meu próprio filho.
Por ter convicção que, na minha falta,
Nico lhe cuidaria e lhe ensinaria a viver
com retidão e honestidade, a ser fraterno
e solidário, a ter decência, a ser sincero,
a ter respeito pelas pessoas, a ser simples,
 mesmo estando em posição importante.
E por uma razão muito simples: esses eram
os valores do Nico, herdados de Dona Sarita
e Seo Caboclo, repassados a Kalil e Emanuelly,
compartidos com Fernando, Cleonice e tantos
quantos tiveram a alegria de conviver com ele,
na imensidão da sua simplicidade.
A história que conheço do Ernandy Maurício Baracat de Arruda,
o meu amigo Nico, é a história de um homem extraordinariamente
 simples e encantador, alegre, perseverante e honrado.
Que morreu trabalhando com a mesma dignidade
que sempre pautou sua vida, servindo a um
governo que ajudou a conquistar como
militante aguerrido, prestando seus
serviços à sociedade, acreditando que
podia melhorar a vida das pessoas.
E é essa a memória que meu filho terá
do melhor padrinho que pudemos lhe 
dar - mesmo o Nico não estando mais 
aqui para ampará-lo quando eu faltar. 
E quando essa hora chegar, rogo para 
que meus filhos tenham de mim o mesmo
 orgulho que tenho de ser amigo do nosso 
inesquecível Nico Baracat, amigo para sempre!
Em sua homenagem, transcrevo abaixo o poema
Funeral Blues, do anglo-americano Wystan Hugh Auden,
na versão do tradutor Nelson Ascher:

“Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás


Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto — um laço no pescoço —
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.


Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.


É hora de apagar estrelas — são molestas —
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante”.

KLEBER LIMA é jornalista e diretor-geral do site HiperNoticias.

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